Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento no Setor de Energia Elétrica do Brasil: Muito além da regulação
A inovação, há muito, deixou de ser uma simples questão de diferenciação. As profundas e complexas transformações que o mundo experimenta em alta velocidade atualmente, impõem uma necessidade de inovação pela sobrevivência – de empresas, mercados, países e da própria civilização. Vivenciamos um limiar existencial e a inovação está no centro de tudo.
Temas como o aquecimento global, a degradação ambiental, a desigualdade econômica e social, são apenas alguns exemplos de forças que moldam de maneira sistêmica nosso mundo, e que tem colocado empresas sólidas e tradicionais contra a parede.
A inovação, como paradigma de gestão, não é um tema novo, todo o século XX foi marcado por transformações profundas em todas as áreas de conhecimento. Mas o papel da inovação no século XXI ganhou um protagonismo nunca visto, sobretudo com o advento da Internet e o aprofundamento da globalização e a questão do aquecimento global.
Por que uma empresa inova? Há muitas possíveis respostas à esta pergunta: Para liderar, para abrir mercados, para operar de maneira mais eficiente, para resolver problemas complexos. Podemos listar muitas diferentes razões pelas quais uma empresa inova. E quando uma empresa com grande impacto socioambiental inova, sempre há riscos e oportunidades adjacentes e muito a se aprender – é necessário inovar com responsabilidade e governança.
Uma empresa não é uma ilha – ela precisa conviver com seus stakeholders e prestar contas à sociedade como um todo. E empresas de grande impacto tem o dever fiduciário de considerar os interesses da sociedade nas suas decisões estratégicas, incluindo suas iniciativas de inovação.
É nesse contexto que surgem os marcos regulatórios relacionados à inovação, em diferentes mercados. Indústrias farmacêuticas, agronegócio, óleo e gás, energia elétrica são exemplos notórios do papel do estado na regulação de programas de inovação, seja estabelecendo barreiras que garantam a segurança do processo – por exemplo, ao impor critérios para o lançamento de novas medicações, ou para garantir a segurança alimentar do público consumidor - seja atuando de forma direta no estabelecimento dos mecanismos de governança em programas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – que é o caso do setor de energia elétrica e óleo e gás.
Regulação estatal nos programas de PD&I de empresas elétricas: ingerência ou interesse público?
Empresas da cadeia de energia elétrica desempenham um papel estratégico para a existência não apenas de países, mas da própria civilização. Por este motivo, empresas deste segmento operam em condições diferentes da maioria dos mercados – muitas vezes sob o controle estatal ou sob concessão pública, e sujeitas à regulação do estado. As agências reguladoras foram criadas com a finalidade de assegurar as condições operacionais, a sustentabilidade e o benefício da sociedade em setores estratégicos. Empresas concessionárias de serviços de energia, sobretudo, empresas que estão na linha de frente com a população em geral – as distribuidoras de energia – carregam o maior peso da regulação. Neste contexto, preocupações sobre eficiência energética, sustentabilidade e impacto ambiental, desenvolvimento econômico regional e acessibilidade da população, pautam inúmeros instrumentos regulatórios que buscam conciliar o interesse público com as atividades do negócio – afinal, grande parte deste mercado, hoje formado por empresas privadas ou de economia mista, precisam gerar lucro e sustentar suas operações com a própria receita.
O Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor de Energia Elétrica é proveniente da Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, que dispõe que as concessionárias de serviços públicos de distribuição, transmissão ou geração de energia elétrica, as permissionárias de serviços públicos de distribuição de energia elétrica e as autorizadas à produção independente de energia elétrica devem aplicar compulsoriamente um percentual mínimo de sua Receita Operacional Líquida (ROL) em projetos de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor de Energia Elétrica (P&D), segundo regulamentos estabelecidos pela ANEEL.
Esta obrigação de investir é um elemento distintivo importante frente à forma de atuação da regulação estatal em outros mercados, em seus programas de inovação. Enquanto na indústria “comum”, a regulação se limita a estabelecer barreiras e critérios para o lançamento de produtos, em setores estratégicos como Energia Elétrica e Óleo e Gás, o estado buscou uma intervenção mais direta e profunda no tema, com o estabelecimento de uma obrigação de investimento mínimo e sob critérios determinados pelo estado.
Nos primeiros anos do Programa, não havia uma ênfase direta no efetivo aproveitamento dos investimentos em soluções práticas e com retorno mensurável para as empresas e para a população. Os holofotes estavam apontados para o fomento da atividade de pesquisa e o desenvolvimento regional, através de parcerias incentivadas entre empresas e o meio acadêmico.
Ao longo dos anos, com as lições aprendidas, o eixo se deslocou gradualmente da pesquisa meramente acadêmica para a efetiva inovação do negócio – com a aplicação e a busca de benefícios concretos do investimento. A mais recente revisão do PROPDI (que entrará em vigor no segundo semestre de 2023) mostra claramente esta mudança de eixo, transferindo a ênfase que se dava até então na auditoria da execução físico financeira e na prestação de contas, para um acompanhamento mais estratégico, com o estabelecimento de metas globais de resultado para o programa e a avaliação sistemática dos impactos da inovação na empresa e no mercado – ganhos de eficiência, retornos financeiros, redução da pegada de carbono, geração de empregos, são alguns exemplos de novas medidas de desempenho que serão adotadas.
Mas muito antes das mudanças regulatórias no programa, as empresas já perceberam o papel estratégico da inovação, buscando aproveitar melhor estes investimentos. A adoção de critérios estratégicos, além dos critérios regulatórios possibilitou a priorização de investimentos que proporcionem melhorias no negócio. As áreas de gestão de inovação têm buscado, através de canais de relacionamento com as diferentes áreas da empresa e através de programas de inovação aberta, uma maior conexão entre seus problemas reais e os investimentos de pesquisa e desenvolvimento. Outra tendência observada, que já encontra respaldo na nova regulação trata do estreitamento das relações com startups, trazendo mais agilidade e capilaridade em sua rede de parceiros.
A necessidade de investir para atender à obrigação regulatória abriu uma janela de oportunidade para que estes investimentos efetivamente contribuam para a eficiência e a melhoria operacional do negócio. Com isso, os Programas de P&D tem se reconfigurado como Programas de Inovação, onde se busca tanto atender às diretrizes regulatórias e temas estratégicos do setor, quanto às necessidades e desafios estratégicos da própria empresa. Há uma grande expectativa e incerteza do mercado sobre como a ANEEL atuará a partir de 2023, ainda há muitas perguntas sem resposta. Mas é inegável que estas mudanças trazem grandes oportunidades para as empresas e para a sociedade.
Sua empresa está preparada para entregar inovação de forma efetiva, alinhada à estratégia e à evolução do cenário regulatório sobre o tema?
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