Em minha última postagem, compartilhei um texto (parceria com Heron Trierveiler) onde apresentamos as mudanças que estão acontecendo no âmbito da regulação das atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação no setor elétrico. Você pode acessar o texto neste link.
Agora, vamos adentrar um pouco mais este assunto, falando sobre a natureza da Inovação, e por que este conceito importa para o setor elétrico, sobretudo neste tempo específico em que vivemos.
Antes de tudo, é importante definir claramente o que queremos afirmar com a expressão "inovação". Para definir Inovação, precisamos delimitar três aspectos: o que é novo, o que é útil e o que gera impacto.
- Inovação é um processo de geração de ideias e criação de soluções até então inexistentes.
- A novidade gerada por uma inovação deve ser útil, proporcionando vantagem competitiva ou resultados reais, como redução de custos, aumento de produtividade ou oferta de novos serviços.
- A inovação não pode proporcionar apenas uma "pequena melhoria", mas gerar impacto que beneficie o cliente, as empresas, o mercado ou a sociedade.
O processo de inovação demanda que as soluções cheguem ao seu destino final. Por isso, as ações de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) podem (e devem) almejar objetivos mais amplos, que vão além da produção científica, para resolver problemas reais. Assim, os investimentos em P&D adquirem sentido mais prático e até mesmo utilitarista.
Ao orientar o Programa de P&D à inovação, a ANEEL busca, com os investimentos realizados pelas empresas de energia elétrica (EEE), gerar resultados eficazes e úteis até mesmo em projetos disruptivos, conceitualmente novos ou de alta complexidade. Neles, são demandados investimentos em pesquisa básica ou aplicada, posicionadas nos níveis mais elementares da escala de maturidade (TRL). Mas espera-se um esforço de longo prazo que permita o desenvolvimento de tecnologias e produtos reais, concretos.
Podemos afirmar, assim, que pesquisa, desenvolvimento e inovação são codependentes e correlacionados, cabendo à pesquisa produzir conhecimento, formular e testar hipóteses, certificar a eficácia – separar o placebo do remédio. No desenvolvimento, por sua vez, são gerados produtos e processos experimentais que atestam a viabilidade e comprovam a funcionalidade da ideia. A inovação se concretiza quando o processo é conectado a uma agenda de resultados e metas concretos – colocar o produto na mão do cliente, fazer o benefício se traduzir na experiência do usuário, resolver o problema na vida real.
Há aqui um aspecto evolutivo a ser considerado, pois a maturidade tecnológica demanda a adequada conclusão de etapas precedentes. Quanto mais disruptiva a ideia, mais critério e cautela são necessários para assegurar a transição segura de um estágio para outro. Isso não exclui, contudo, a necessidade de maior senso de urgência: sempre há espaço para que o correto processo científico aconteça sem que se perca o time-to-market – é aqui que os programas de inovação precisarão se reinventar, uma vez que serão cobrados por resultados. Tivemos uma prova evidente de que o processo científico pode conviver com a urgência durante a pandemia, quando tivemos que inovar para colocar em tempo recorde vacinas à disposição da população. Pesquisa, desenvolvimento e inovação andaram juntas e orientadas por objetivos claros de resultado neste cenário, não sem as necessárias cautelas para que tudo transcorresse com a maior segurança possível.
Como o foco em inovação muda a forma pela qual a empresa realiza P&D?
Quando foca em inovação, a empresa passa a trabalhar com um modelo que considera tanto potencialidades das novas tecnologias quanto desafios que elas trazem e o impacto que podem gerar. Para tal, avalia toda a cadeia de valor e o processo passa a ser guiado pelas inovações com maior potencial de alcançar seus objetivos.
As empresas passam a integrar, ainda, a cadeia de valor e as partes relacionadas entre si em uma perspectiva mais horizontal e integrada, interagindo mais estreitamente entre si no processo de ideação e concepção de soluções. Muitas vezes, isso leva a um acúmulo de conhecimento e soluções compartilhadas, em um ecossistema aberto, em que todos os agentes estão ativos e presentes. Nos projetos baseados em pesquisa básica e aplicada, o diálogo com as áreas internas e a atenção ao ambiente externo não são necessariamente importantes. A ideia de um programa de P&D 100% delegado a executores externos não para em pé com o foco em inovação. A empresa precisa se tornar protagonista.
Com isso, a inovação também demanda a formação de competências, não só dentro da própria empresa, mas ao longo da cadeia de valor. Este é um processo em que há ativamente a construção de parcerias e uma articulação de novas competências, ao se buscar interação com outros agentes.
O que a empresa precisa fazer para embarcar nesta nova realidade?
A empresa que precisa transformar em PD&I o seu Programa de P&D deve se reorganizar internamente para desenvolver uma cultura de inovação em estreita colaboração com toda a cadeia de valor.
Não se pode mais pensar em P&D como uma ilha meramente voltada à conformidade regulatória. É preciso orientá-lo ativamente ao negócio, descentralizando o programa e o aproximando das demandas e problemas da organização. Pode-se fazer isso pelo estabelecimento de "centros de excelência", que alojam as competências inovadoras. É desejável que esses centros sejam abertos aos demais setores da empresa e até à comunidade – startups, CCTs e Universidades.
A reorientação para um P&D inovador requer ainda a atração de talentos, de pessoas com background diversificado, como empreendedores, experientes em novas tecnologias e com conhecimento de novos negócios. Hoje, as equipes de P&Ds no setor elétrico tem sido, em grande parte, formadas apenas por gestores de projetos e, eventualmente, acadêmicos. De certa forma, toda a “diversão” fica com os parceiros executores.
Conclusão
A ANEEL ambiciona, com o PROPDI, incutir estas mudanças às práticas de gestão de inovação nas EEE. Neste novo arcabouço, ainda existem falhas e lacunas a serem resolvidas, como a falta de critérios padronizados para classificação de maturidade tecnológica, os problemas com a medição de diversos aspectos do programa e o dimensionamento dos impactos sobre outras partes afetadas pela mudança – universidades, startups e as próprias empresas que não estão habituadas a esta forma de atuação.
Mas é importante entender que, por trás do PROPDI, há um movimento ainda maior, em escala global, de transformação da cadeia de energia. Há uma urgência estabelecida, talvez não tão breve quanto a pandemia de COVID, mas com impactos tão grandes ou até maiores sobre o futuro – e, mais do que nunca, inovar é preciso. A emergência climática, por exemplo, exige acelerar a transição energética e, nesse contexto, faz sentido que o P&D oriente-se à inovação. Se a indústria elétrica do Brasil quiser ser a protagonista deste grande movimento, deve abraçar a inovação não como uma obrigação regulatória, mas como combustível de crescimento e transformação.